sexta-feira, janeiro 14, 2005

Soube dela através de amigos em comum. Na verdade não deu a eles muita credibilidade embora estivesse curioso para conhecer a famosa mulher.


Encontraram-se então, pela primeira vez, em casa alheia.
Ao vê-la emplumou-se mais do que de costume. Não por vaidade, mas por medo. Enquanto tentava se proteger, observava-a de longe. Ela como que não se movia. Era mais um fluir, muito embora parecesse não confortável com alguma coisa; talvez o corpo não se encaixasse bem à sua estrutura natural. De modos que se esvaia, preenchendo todo o ar. Seu semblante demonstrava ao mesmo tempo calma e tempestade. Nunca se saberia qual seu próximo instante. Era linda, de uma beleza etérea e melancólica. Tinha cabelos leves. Cabelos vivos, moldura anelada a lhe envolver a face branca. Quisera ser o vento pra brincar com cabelos tais, viver entre os anéis. Seu maior desejo naquele momento era enterrar os dedos naquela pluma castanha e ali permanecer, esquecido pelo tempo.
Começou a entender assim que lhe foi apresentado e a viu sorrir. De repente era como um clarão, uma alma a olho nu. O riso simplesmente lhe acontecia. Era então toda criança.
Neste mesmo instante de lhe conhecer, recebeu um beijo protocolar e lhe aconteceu sentir seu cheiro. Ela cheirava a erva nova, a mato recém criado. Neste mesmo instante de lhe conhecer começou a morrer e olhou-a nos olhos. Este foi o maior crime que cometera em sua vida metafórica. Nunca poderia explicar, por mais que dominasse as palavras, o que se via em olhos dela. Eram olhos machadianos, olhos inventados, eram aqueles os olhos de ressaca. Muito tempo depois iria descobrir que não se podia olhar para eles por muito tempo, era algo que não se havia de suportar. Ela sempre os mantinha e quem ousasse fitá-los se desconcertava a ponto de duvidar.

Olhar para os olhos dela era um perder-se.

Quando percebeu, perdido estava o escritor.