segunda-feira, abril 18, 2005

Sim, ela estava ali, ao alcance de suas mãos.

Pedro mal podia acreditar em tal alvura estendida em seus lençóis.

Aguardara por aquele momento por tantos dias quanto se pode esperar por algo igualmente grandioso e destruidor. Desde o dia em que a encontrara em casa de Madame Margot, a desejara. A desejara intensamente, desde o primeiro momento em que a vira. A desejara mesmo quando a sabia nos braços de outros, tantos. Quantos de seus amigos já se haviam deitado em cama dela? Quantas vezes não estiveram com ela em tão feérica lascívia que se mantiveram ao alcance de um olhar mais prolongado? Por quantas vezes, se apurasse ou ouvidos, não poderia ter ouvido os sussurros daquela que lhe povoara sonhos e amores solitários por tanto tempo?

Mas agora a teria. A teria com tanto desejo quanto se este pudesse ser chamado de ....Não, não pensaria agora em sentimentos, não se arriscaria a falhar com ela como Carlos havia feito. Sabiam-na imensa e em sua presença, a lascívia se vestia em medo.

Sabia-lhe detalhes, preferências, vontades. Seus amigos lhe haviam contado, lhe houveram rido, lhe houveram humilhado, mesmo sem saber. Mas agora, em presença dela, lhe descobrira algo que ninguém havia contado. Ao tomar suas mãos e brincá-las em seu rosto, lhes descobriu um perfume, um perfume que era ela toda mas que parecia se concentrar nas pontas dos dedos. Teriam perfume, os seus olhos? Aqueles mesmos olhos que tantos versos lhe inspiraram, marejantes olhos a lhe contar receios? Que mulher era aquela, meu deus, que tinha perfudas as pontas de seus dedos?

Poderia passar as próximas horas ali, apenas tentando lhe adivinhar este cheiro, descobrindo-o pelas partes de seu corpo, em sua nuca, nas voltas de seus ombros, por entre as suas coxas.

A enfim proximidade dela lhe era vertigem, uma ânsia dos sentidos.

Passeou o olhar pelo seu corpo, o movimento de seus seios em respiração, olhou-a nos olhos e tomou-a pelas ancas. Tomou-a pelas ancas com força, diria-lhe palavrões, fariam-se macho e fêmea sem abstrações, sua boca devoraria o corpo todo dela, lasso, másculo. E como animal embriagado se entranhou em seus cabelos, puxando-os para trás para olhar-lhe um último instante antes de beijá-la e morrer, sabendo, agora, que ela cheirava a baunilha e jasmim.

terça-feira, abril 05, 2005

- Li o seu livro.
- É, e gostou?
- Você não tinha o direito.
- Direito de quê?
- De expor a mim daquele jeito, de expor a nossa intimidade, as coisas que dissemos um ao outro.
- Mas eu não expus nem a você nem a ninguém. Acha que alguém imagina do que falava?
- Não interessa. Você não tinha esse direito.
O escritor perdeu o olhar como sempre fazia em presença dela. Não suportava olhá-la por muito tempo.
- Por quê?
- Eu tinha que falar disso, de um jeito ou de outro. Não suportava mais carregar tanto inferno comigo.
- Não seria mais fácil desabafar com um amigo?
- Amigo? Qual deles? Talvez algum que tenha namorado com você...
- Claro... eu deveria ter te esperado?
- Não é nada disso. Você viveu sua vida e eu a minha. E só. Ninguém se magoou tanto assim.
Ela deu de ombros. Não podia acreditar que ainda naquele momento último ele tentasse lhe esconder o que sentia.
- Por que não me disse antes?
- De que adiantaria?
Ele acendeu um cigarro, vestiu seu melhor sorriso triste e disse
- Sabe o que é mais engraçado? Ver todos comentando sua vida como se fosse literatura...
- E não foi nisso que quis transformá-la? Em mais uma de suas histórias?
- Você não entende, não é? Se soubessem que era de mim, de mim e de você, nos apontariam seus dedos mais maldosos. Mas dos personagens se compadecem, entendem; tantas críticas ouvi sobre a hipocrisia do “até que a morte os separe”. Seus amigos acadêmicos analisando minha dor maior como se fora um texto qualquer... chega a ser irônico, sabia?
- Você perdeu completamente a noção da realidade.
- Nunca nos perdoariam. Nunca.
Ela se levantou. Poucas vezes na vida quis se afastar dele, sempre procurara tomar fôlego em seu ar. Desta vez não.
- Eu não sou uma personagem. A vida não é um livro. O Amor não é literatura.
Deixou-o sozinho. O escritor acendeu um cigarro e suspirou com tanta tristeza como se o jardim todo houvera morrido.
- Mas bem que poderia...