A segunda-feira era o pior dia.
Uma semana inteira pela frente, uma semana toda marcada pela falta de perspectivas e pela vontade de não-ser.
Pedro levantou ainda meio tonto de sono e percebeu que aquela segunda seria ainda pior do que as outras. O céu cinza, a garoa fina, o dia frio. Como se a vida fosse uma tristeza de se ter.
Levantou, urinou na latrina amarelada por uma crosta, de quantos mijos? Quantos outros perdedores como ele não haviam acordado naquele mesmo quarto fedido e frio, de tábuas soltas e merda de cupim? Ficou surpreso quando descobriu que o pozinho que caía dos móveis de madeira eram fezes. Sempre achou que era um resto de madeira, qualquer coisa, nunca lhe passou de cupins cagando, e essa. Passou a sentir nojo quando via, mas nem por isso se mobilizava a varrê-las deixava-as lá, a bosta em pó que voava com um assopro e se acumulava nos cantos dos móveis, prova de que somos todos iguais mesmo, seres que comem e cagam e, entre uma coisa e a outra, fazem o que se chama de viver.
Pedro não suportava os começos. Sempre mais difíceis e complicados, o começo da semana, o começo do dia, todo santo dia a mesma coisa, um novo dia amanhecendo e perturbando a penumbra. Só a noite o aprazia. A noite e seu perfume úmido, suas cores foscas, seu silêncio sedutor. Nada o angustiava mais do que ver o nascer do sol, um sentimento de perda indescritível, um sufoco interior, amargor na boca, gosto ruim de respirar com a boca aberta, cuspe seco, um pouco de sangue pelas gengivas e nos dentes.
Era meio-dia quando Pedro se levantou e, após urinar, tomou um copo d’água. Pensou em ligar o computador, começar logo aquilo de uma vez por todas, ver se a vida tinha alguma coisa para ele, mas sentiu um enjôo tão grande, tão profundo desterro, que tomou o único rumo que podia e que sabia seguro: voltou para debaixo das cobertas, o quarto no escuro, a modorra das janelas fechadas, bolor, frio e respiração da noite. A vida, se quisesse, que esperasse.
(mas ninguém saberia dizer o esperar: pelo quê?)