quarta-feira, outubro 05, 2005

Pedro estava só.
Não que vivesse rodeado de pessoas; a questão é que ele sentia-se só.
Há alguns dias, nem banho tomava. As horas passavam sem que desejasse se movimentar o mínimo que fosse. Não produzia nada, não lia, não escrevia. Nada.
Pedro era, verdadeiramente, carente de vontade e quando se entristecia a esse ponto, se deixava abater irremediavelmente. Ouvia músicas, jogava paciência com um baralho velho e encardido, às vezes se desesperava e acabava chorando.
Juntou algumas moedas perdidas mas não se decidia a ir ao boteco que ficava na esquina para comprar cigarros soltos. Não seriam mais do que uns 50 metros até lá. Uns cem passos... Mas ficaria mesmo sem fumar. Não queria ver ninguém.
Tentou rabiscar alguns versos para Madeleine mas tudo o que conseguir foi passar algumas horas diante da mesma frase: "O eco de sua voz me acompanha pela noite. O eco de sua voz me acompanha pela noite. O eco de sua voz me acompanha pela noite." Terminou por jogar fora o papel, angustiado com a ausência dela.
"Madeleine". No começo, as pessoas costumavam achar engraçada aquela sua mania de rebatizar as coisas e pessoas com nomes franceses, mas ao final de algum tempo terminaram por se acostumar. Algumas até gostavam, como Madame Margot cujo verdadeiro nome era Soraia. Passou, inclusive, a ordenar que chamassem-na somente de Margot. Madame Margot.
Madeleine era a única coisa que Pedro desejaria naqueles dias vazios. Nada mais lhe aprazia, ao contrário, era capaz mesmo de irritar-se com o que quer que fosse.
Não tinha dinheiro, mas também não sentia a menor vontade de comer ou beber o que quer que fosse.
- Ninguém pra se sentar à minha mesa triste...

terça-feira, outubro 04, 2005


"E o luto sem saída
da hora não vivida
é bem pior pra o coração
que a despedida"
(Aldir Blanc/Guinga)


Acordou com a falta, e uma falta sem conserto, dor sem bálsamo, doença sem cura.
Chegava, às vezes, a pensar que tudo era imaginação sua, que nem sentia mesmo nada daquilo. Talvez, gostasse de sofrer. Poderia ser masoquista, sofrer de algum distúrbio psíquico, afetivo, moral, que a fizesse se apegar à irrealidade daquele sentimento.
Sabia que amor era coisa rara, era uma aflição perceber que tanto amor se desperdiçava pela vida.
O que havia restado de tanto sentir? O livro que ele havia escrito, sem a sua permissão.
"Tanto Amor, pra virar literatura..." pensava. Muitos haviam lido e leriam ainda a história deles dois, história triste por demais, linda e triste, pensariam. Mal saberiam da vertigem em vida deles, das neblinas, do sufoco. Mal saberiam do choro, da raiva, dos desejos.
Se não se houvesse sabido correspondida, tudo teria sido mais fácil. Teria doído, mas muito mais simples era esquecer o desamor do outro. Mas aquilo era por demais terrível: sabia que ele também a amava, muito embora nunca palavra tenha sido dita. Era tão visível quanto ridícula a intenção dele de negar o seu sentir.
Essa era a amarra que a prendia irremediavelmente. Amarra sem nó ou cadeado, laçada imaginária em torno de seus pés, olhos e garganta. Prisioneira livre que era, sem chaves ou algemas, sabia que não fugiria nunca daquilo enquanto lhe fosse permitido ser.