segunda-feira, julho 11, 2005

Texto inicialmente publicado no 5 Contra 1.
Chegou ao trabalho dela quase uma hora antes do horário de saída
Deu-lhe um oi seco e sentou-se a fim de ler qualquer coisa. Possivelmente, não há de ter lido nada.
Ela continuou trabalhando, sem que realmente o fizesse. Havia dois dias que houvera contado a ele. Havia ligado para ela no dia anterior, mas não nesse, muito embora fosse costume estabelecido se falarem ou verem diariamente. Mas, decididamente, não esperava vê-lo tão cedo.
Ao seu horário, mudou de roupa nervosamente e saiu. Ele não estava mais. Foi encontrá-lo lá fora, cigarro aceso, cara de poucos amigos.
Seguiram caminhando quase sem dizer palavra. A certa altura, perguntou a ele:
- Aonde você vai?
- Para casa, oras.
- Ah, tá.
Continuaram a seguir, o mal-estar se houvera instalado de forma quase claustrofóbica.
No meio do caminho, ele pára numa praça. Ela o acompanha e senta-se ao seu lado no banco.
Fumam. Sem parar.
- Eu não queria te deixar desse jeito.
- Eu estou muito bem.
(...)
- Desde quando você sabia?
- Não há muito tempo. Não conseguiria, como não consegui, esconder isso de você.
- Aquele dia em que passamos a tarde em sua casa, você já sabia?
- Já.
- Não te falei por mal, não quero nada de você, nenhuma atitude, mas tinha de contar.
- Eu já sabia.
(...)
- Já desconfiava.
(...)
- Você sabe que eu sou casado...
- Sei disso, não estou te pedindo nada, já te disse. Mas você é meu melhor amigo, não poderia deixar de te contar.
- Sou muito bem casado...
- Eu sei, entenda. Só não poderia continuar sendo sua amiga escondendo isso de você. Seria como se estivesse traindo a nossa amizade.
Ele olha para o nada, visivelmente perturbado. Continua fumando.
(...)
- Não sei por que tomei duas garrafas de conhaque e vim aqui caçar assunto...
(...)
- Eu não quero ficar contigo, nunca quis. Não é essa a minha intenção. Meu amor não é um amor de corpo, de desejo. Mas amo você.
- Não sei o que fazer com o teu amor...
- Nada, não faça nada. Não quero que nada aconteça. Só precisava te contar.
(...)
- Não é platônico. O amor platônico é diferente, por alguém inalcançável, inexistente. Mas eu estou aqui.
- Sim. Não é platônico. Impossível, mas não platônico. O amor platônico é diferente mesmo.
(...)
Ela, da tristeza profunda, passa quase ao desespero:
- Por que eu não podia me apaixonar pelo homem que disse ter se encantado comigo desde a primeira vez em que me viu?
Olhar perdido, o rosto dele se ilumina. Sorri um sorriso simples e se sente furtado de seu sentir.
- Eu também fiquei fascinado desde o primeiro momento em que te vi.
- Mas o seu fascínio é diferente. Ele está fascinado pela mulher, você se encantou pela artista.
De repente, percebe que seu semblante o trai e volta à sisudez.
- Sim, é claro.
- O motivo que o fascina é outro, puramente profissional.
- Meu fascínio é completamente diferente mesmo...
(...)
- E aquele dia de noite, quando a levei para casa...e se eu tivesse te beijado?
- Você nunca me beijaria.
- Mas e se eu tivesse te beijado?
- Não! Você nunca faria isso, não seria correto e você é um homem correto.
- Sou sim...
- Claro que é. Não seria de sua índole incorrer num erro grave desses. E nem eu o quereria.
- É, eu não teria mesmo te beijado...
(...)
Ela chora silenciosamente.
- Eu precisava te contar, é só isso. Não quero me meter em tua vida. E ademais, você ama a sua mulher.
- Sim, eu amo a minha mulher.
- Não tenho intenção nenhuma de ficar com você...
(...)
Foram embora, juntos. Cada qual com seu coração partido.
Nunca mais tocaram no assunto.
Nunca se beijaram.
Nunca deixaram de se amar.