- Li o seu livro.
- É, e gostou?
- Você não tinha o direito.
- Direito de quê?
- De expor a mim daquele jeito, de expor a nossa intimidade, as coisas que dissemos um ao outro.
- Mas eu não expus nem a você nem a ninguém. Acha que alguém imagina do que falava?
- Não interessa. Você não tinha esse direito.
O escritor perdeu o olhar como sempre fazia em presença dela. Não suportava olhá-la por muito tempo.
- Por quê?
- Eu tinha que falar disso, de um jeito ou de outro. Não suportava mais carregar tanto inferno comigo.
- Não seria mais fácil desabafar com um amigo?
- Amigo? Qual deles? Talvez algum que tenha namorado com você...
- Claro... eu deveria ter te esperado?
- Não é nada disso. Você viveu sua vida e eu a minha. E só. Ninguém se magoou tanto assim.
Ela deu de ombros. Não podia acreditar que ainda naquele momento último ele tentasse lhe esconder o que sentia.
- Por que não me disse antes?
- De que adiantaria?
Ele acendeu um cigarro, vestiu seu melhor sorriso triste e disse
- Sabe o que é mais engraçado? Ver todos comentando sua vida como se fosse literatura...
- E não foi nisso que quis transformá-la? Em mais uma de suas histórias?
- Você não entende, não é? Se soubessem que era de mim, de mim e de você, nos apontariam seus dedos mais maldosos. Mas dos personagens se compadecem, entendem; tantas críticas ouvi sobre a hipocrisia do “até que a morte os separe”. Seus amigos acadêmicos analisando minha dor maior como se fora um texto qualquer... chega a ser irônico, sabia?
- Você perdeu completamente a noção da realidade.
- Nunca nos perdoariam. Nunca.
Ela se levantou. Poucas vezes na vida quis se afastar dele, sempre procurara tomar fôlego em seu ar. Desta vez não.
- Eu não sou uma personagem. A vida não é um livro. O Amor não é literatura.
Deixou-o sozinho. O escritor acendeu um cigarro e suspirou com tanta tristeza como se o jardim todo houvera morrido.
- Mas bem que poderia...